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bem vindo e bem vinda. este é um labirinto herege: um desafio para medir a astúcia de quem me visita; um convite à exploração sem mapas e vista desarmada. aqui todas as direções se equivalem. as datas das postagens são irrelevantes. a novidade nada tem a ver com uma linha do tempo. sua estrutura é combinatória. pode começar de onde quiser. seja de uma imagem, de um texto, de um vídeo ou mesmo de uma música. há uma infinidade de escolhas, para iniciar a exploração, para explorar esse território e para finalizá-la. aproveite.

a des-insurgência espontânea no ethos brasileiro



antes de tudo, uma obviedade: o brasil é uma farsa. por aqui não há estado democrático de direito, aqui há, como bem nomeia paulo arantes, um “estado oligárquico de direito”. por aqui não há democracia racial, como podemos constatar no genocídio, sistemático e continuado (“higienização étnica” e tutelamento e isolacionismo indigenista) dos povos indígenas, e na não-realização da reforma agrária no ato de promulgação da lei áurea. e que por aqui também não houve independência cultural alguma, como podemos ver que a condição histórica da emancipação brasileira de portugal se deu na plena transferência da coroa portuguesa para cá, em sua fuga da invasão de napoleão ao território português.

o brasil enquanto farsa é o seu próprio projeto nacional. este que visa encerrar dentro de um mesmo território, uma constelação de experiências e distintas nações irredutíveis umas às outras, em um mesmo luso-cristão-pseudo-laico, cinicamente, tolerante e alegre. e para tal, o brasil é o eterno país do futuro, “deitado eternamente” como diz em seu hino, e o país do grande esquecimento, como vemos na insistente propagação da ideia oficial de que a organização atual das coisas carregam em suas costas uma formação histórica tranquila e pactuada. este encerramento e redução de irredutíveis gera o que eu já escrevi em uma texto intitulado “brasil: um país odiosamente governável”. geração que constitui um ethos oficial do ser brasileiro: o ethos da des-insurgência.

o que significa um ethos des-insurgente? vamos passo-a-passo, por uso, por contraste e por desocultação:

1. 
por uso: enrique dussel tem uma definição de ethos que aqui me serve: é a peculiaridade de atuar “assim” ante “isto”; é a atitude ante algo que não pode ser uma obra objetivada; é um modo mesmo de comportamento que permanece sempre no horizonte do incomunicável de quem assim atua. interessante notar que um ethos somente pode ser transmissível dentro de um horizonte de mesma intersubjetividade (complexo existencial).

2. 
por contraste, insurgência e contra-insurgência:

2.1. 
como expressão histórica, insurgência é a organização em rebeldia, que não se organiza mediante um exército regular, instituída contra uma autoridade constituída.

2.1.1. 
o ato de africanos e africanas, presas/os e sequestradas/os para serem escravizadas/os em outro território e que, chegando neste, fogem para dentro de terras desconhecidas, se juntam a outras e outros em fuga, e se organizam de modo a refazer suas vidas por meio de fragmentos de memória de suas respectivas culturas originais, é um ato insurgente.

2.1.2. 
o ato de indígenas, assim chamadas em bloco indiferenciado uma multiplicidade de culturas por quem invadiu seus territórios, que violentou suas mulheres e subjugou seus homens e humilharam suas crianças e pessoas idosas, que resistiram a tal, cujos sobreviventes “desapareceram” e reorganizaram e perpetuaram suas cosmovisões originais, é um ato insurgente.

2.1.3. 
o ato de surgimento de canudos, realizado pela comunidade de belo monte, instituindo o sertanejo e a sertaneja, oprimidos/as pelo latifúndio, pelo estado e pela igreja distante e ausente, como agentes históricos, é um ato insurgente.

2.2. 
contra-insurgência é a organização beligerante organizada para validar a autoridade constituída que pode operar tanto em um nível evidente, como nas operações militares, quanto em um nível mais sutil, a “naturalização” como nas operações de propaganda/propagação.

2.2.1. 
atos de capitão do mato, encarregado por reprimir “delitos” dentro das fazendas escravagistas e por capturar escravos e escravas fugitivos/as, são atos contra-insurgentes.

2.2.2. 
atos de bandeirantismo, como a marcha para o oeste iniciada por getúlio vargas e consagrada por juscelino kubistchek com a construção de brasília, visando a ocupação do centro-oeste, ou mesmo as atuais investidas genocidas de trabalhadores e trabalhadoras do campo em jagunçagem contra demarcações de terras indígenas, são atos contra-insurgentes.

2.2.3. 
atos das campanhas militares organizadas pelo estado republicano, com auxílio do latifúndio e a benção da igreja, contra a comunidade de belo montes (canudos) e livros como “os sertões” de euclides da cunha, são atos contra-insurgentes.

2.3. 
por desocultação, eis a des-insurgência: é um estranho e paradoxal ato onde se internalizou a contra-insurgência, sempre ocorrida como repressão – algo que vem sempre depois e não antes – naturalizando-a de modo que tal se torna condição fundante de uma experiência ocorrida por “geração espontânea”. no caso brasileiro, é a internalização do processo histórico da pedagogia do esquecimento e da ocultação dos atos insurgentes de emancipação e rebeldia contra a autoridade constituída, tornada ethos identificado, objetivamente, com os projetos nacionais pactuados e propagados por pacificações: o que chamo de “inconsciência histórica voluntária”. 3. o ser-brasileiro é algo identificado, tão somente, com a farsa “brasil” antes descrita (“estado oligárquico de direito”, “tirania racial”, “luso-cristianismo-militar”, etc.); não se constitui histórico oficialmente desde as diversas cosmovisões, autóctones indígenas e estrangeiras africanas, nem mesmo por utopias regionais como a de canudos – neste sentido, não possui insurgências na constituição de seu ethos. o ser-brasileiro é um modo de agir des-insurgente: não tenta se instituir a partir do que lhe é mais fundante.

léo pimentel
amante da heresia
 

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