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bem vindo e bem vinda. este é um labirinto herege: um desafio para medir a astúcia de quem me visita; um convite à exploração sem mapas e vista desarmada. aqui todas as direções se equivalem. as datas das postagens são irrelevantes. a novidade nada tem a ver com uma linha do tempo. sua estrutura é combinatória. pode começar de onde quiser. seja de uma imagem, de um texto, de um vídeo ou mesmo de uma música. há uma infinidade de escolhas, para iniciar a exploração, para explorar esse território e para finalizá-la. aproveite.

geo-genealogia da ética: uma espaço liberado


léo pimentel – amante da heresia 

"¿Acaso es verdad que se vive en la tierra?
¿Acaso para siempre es la tierra?
¡Sólo un breve instante (estaremos) aquí !
Hasta las piedras finas se resquebrajan,
hasta el oro se destroza, hasta las plumas preciosas se desgarran.
¿Acaso para siempre es la tierra?
¡Sólo un breve instante (estaremos) aquí !”
"¿Conque he de irme, como las flores que perecen?
¿Nada será mi nombre algún día?
¿Nada será mi fama en la tierra?
¡Al menos, flores, al menos, cantos!
¿Cómo hará mi corazón (para sobrevivir)?
¡Ay! ¡En vano pasamos sobre la tierra!"
(“cantares mexicanos” )

geo-glossário

aqui: “o brasil é país miserável, há fome e há doenças, grande parte da população vegeta em primitividade secundária, encontra-se condicionado por natureza pérfida e forças externas. em tal situação de miséria, porém, existem germes de um projeto brasileiro, o qual, mediante síntese de elementos heterogêneos, visa a uma nova maneira de vida humana, digna, lúdica e criadora. (vílem flusser – fenomenologia do brasileiro)

europa: "a história universal vai do oriente ao ocidente. a europa é, absolutamente, o fim da história universal [...]a história universal é a disciplina da indômita vontade natural dirigida à universalidade e à liberdade subjetiva" (hegel, filosofia da historia universal).

indígena: “danem-se, eu não sou um índio, sou um aymara. mas você me fez índio e como índio lutarei pela libertação”. – fausto reinaga (aymara)

estadunidense: "o liberal fará uma distinção clara entre igualdade de direitos e igualdade de oportunidades, de um lado, e igualdade material ou igualdade de rendas, de outro. pode considerar conveniente que uma sociedade livre tenda, de fato, para uma igualdade material cada vez maior. mas considerará esse fato como um produto secundário desejável de uma sociedade livre - mas não como sua justificativa principal." (milton friedman, capitalismo e liberdade)

prólogo

1.
de costume, não localizamos nossos conhecimentos, apenas o temporalizamos. disciplinamos nossa memória e nossos saberes a uma construção historiográfica rumo à abstração e à des-localização. desse modo, desconsideramos que diferentes conhecimentos existentes entre vários grupos podem, assim o ser, mais por influências geográficas e suas respectivas condições históricas do que mesmo abstratamente determinados. supomos que nosso substrato cognitivo é resultado apenas de uma “marcha histórica mundial” desencarnada de seu espaço local.

2.
ora por colonização, ora por exportação, ora por globalização, nos tornamos pessoas de conhecimento fora do espaço local. condições históricas alheias às condições históricas de onde estamos são eleitas como “a história da humanidade” e isso faz com que corramos atrás dela o tempo todo. uma historiografia que produz os conhecimentos de “democracia”, “dialética”, “santíssima trindade”, “luta de classes”, “vontade de poder”, “inconsciente”, “evolucionismo”, etc., surgiram em uma determinada região do planeta. nada há de especial lá que lhe garanta território privilegiado, para que tal seja o centro gerador de tudo o que é arte e conhecimento. para nós, é sim apenas um monólogo que chega até nós para ocultar um passado de massacres, perseguições e fugas, sob um presente de regras, rotinas e tutela. 

3.
sofrer influências externas e praticar a antropofagia intelectual não é o problema, pois é próprio de efetivas relações dialógicas. a questão é o modo monolítico e violento como aqui chegam: resultado de uma geopolítica do conhecimento imposto como desenvolvimento e modernização. não chegam como elementos para um debate amplo e trocas. chega de modo arrogante violentando a radical horizontalidade cultural que experimentamos espacialmente. já chegam com a perspectiva de jamais abrir mão de seus pressupostos, a não ser que seja uma mera adaptação estratégica para tornar-se mais eficaz no intuito de subjugar – um bom exemplo disso é a incompreensão letrada (perpetuada tanto nos meios acadêmicos quanto nos meios midiáticos) do exercício de poder enquanto relação de dominação dicotomizada pela oposição brasileiros/as e indígenas. os conhecimentos chegam aqui sim como estratégia para dirigir a conduta dos outros conhecimentos. 

4.
também não é o problema que uns conhecimentos possam concorrer uns com os outros. a questão é quando um conhecimento se põe sobre outro, não por esgotamento ou superação deste, mas por intervenção violenta sobre o suporte do primeiro – corpo e território. para que a paideia grega chegasse até nós (no alto xingu, por exemplo) como modelo, foi preciso o massacre de pessoas, a ocupação do território e o extermínio de centenas de processos de educação locais. para que, enquanto “povo brasileiro” não tivesse uma espiritualidade indígena multifacetada foi preciso centenas de anos de guerra entre o islam e o cristianismo (império turco-otomano e cruzadas), o iluminismo (holanda com descartes e espinoza e inglaterra com locke e newton) e a revolução francesa. para que não tivéssemos, nem mesmo uma utopia desde aqui, foi preciso aldeamentos (organização da força de trabalho de indígenas), missões (cristianização), demarcação de terra indígena (para fins de tutela e isolamento), libertação da escravidão sem reforma agrária (ao mesmo tempo em que se estimulava a instauração de colônias europeias, japonesa e libanesa), os ataques do exército nacional contra vilarejos, como os ocorridos na guerra de canudos (1896 - 1897), na guerra dos pelados (1912) e na “república dos anjos” em pirenópolis (1925).

5.
abrimos mão de nossos quilombos, de nossas complexas organizações sociais de mata, de todo nosso sincretismo anárquico – de todo esse nosso ser e estar no mundo localizado – como condições históricas das diversidades do ser em seu pensar, conhecimento, desejos, perspectivas, economia, sociedade, etc. abrimos mão de sermos formas de vida em prol de um único modo de viver mantido por uma retórica cínica e por uma zombaria política. abrimos mão de toda a nossa cartografia mental e espacialização da história em prol de uma hegemonia da perspectiva cognitiva europeia, e do fundamentalismo do mercado neoliberal estadunidense.


primeiro cuauhcuícatl 
“bom e mau”, “afirmativo e negativo”.


1.
o único diálogo possível é por aculturação recíproca. a horizontalidade radical entre culturas, já que estas são, antes de tudo, formas de vida – ou se preferirem, são comunidades intelectuais e afetivas de vida. por exemplo, nenhuma das organizações sociais de mata são organizações fechadas. as interações entre elas se dão como ajustamentos recíprocos – ajustamentos positivos (jogos de cativação) e negativos (conflitos). marca radical da autonomia criadora dos membros de uma organização social, mesmo que destruída, como é o caso de etnias que restam apenas algumas poucas pessoas.

2.
vive-se em contextos assimétricos de sobrevivência – não há qualidade de vida (abstração), há vida qualificada (deste ou daquela vivente). a situação existencial geral não permite qualquer solução: uso de recursos naturais e de fontes de energia, produção de alimento, construção de moradia, crescimento populacional. pensa-se que o único modo que serve como horizonte de vida seja a proteção e a assistência burocratizada – tudo sob tutela e sob o regime estatal. passa-se a autocaracterizar pelo o que não se é (identidade) e pelo o que não se possui (autonomia). para ilustrar isso: basta ouvir a história de uma etnia contada a partir da historicidade dos “brancos” que procura preservar um fundo folclórico de formas de vida de valores meramente ornamental – formas de vida tornadas objetos de poder para um grupo que se quer ser inclusivo e reformador para manter uma única representação da “realidade” que é múltipla por ela mesma.

3.
“bom” e “afirmativo” funcionando como a economia: quanto de recursos humanos, financeiros e ideológicos é necessário para se inventar e fazer durar uma dada correlação assimétrica de forças e poderes? “bom” e “afirmativo” também funcionam como os programas políticos dos projetos nacionais que convidam técnicos e especialistas para que sua forma de saber substitua o conhecimento indígena sobre seu próprio espaço geográfico – um bom exemplo desse tipo de funcionamento seria o estereótipo do/a “indígena ecologista” propagado pelo indigenismo empresarial. o que equivaleria dizer: um/a niilista engajado na produção e manutenção do simulacro pessimista – depressivo, vítima das mazelas da vida, ignorando os prazeres, honrado em suas ações e intenções, mas exóticas e absurdas. 

4.
“mau” e “negativo” tratados como indisciplina e, para tal, o caminho da disciplina agnóstica como transformação para ser produtivo/a – proteção, compensação e administração da entropia como adiamento do reconhecimento da autonomia e da indiferença dos processos de fim, da dor e da morte para conosco. o caminho da disciplina agnóstica contra o “mau” e o “negativo” como adiamento sublimado e como técnicas de atração e pacificação daqueles/as ainda não submetidos/as ao aparelho otimista agnóstico do “ganhar tempo” e da “covardia em levar às últimas consequências o que se afirma”: seduzir através de “presentes”, a indeterminação – como o caso brasileiro singular de conquista das nações indígenas.

5.
como se a entropia de toda cultura/forma de vida pudesse ser sempre atribuída a processos históricos inconscientes e não direcionados – o fim dos poderosos e ricos reinos do congo e do monomotapa, o fim do império asteca, avá-canoeiros à beira da extinção, etc. uma forma de vida está sim sujeita a processos entrópicos conscientes e dirigidos. tais são as “limpezas éticas” sempre acionadas por empreendimentos metódicos destrutivos como uma força produtiva de um porvir edificante e redentor realizadas sobre formas de vida tidas como “más” e “negativas”, ideologicamente pensadas como improdutivas e não engajadas. a essas “limpezas éticas” – cuja expressão mais evidente é a “limpeza étnica” – costuma-se atribuir o nome de “processo civilizatório”: cinismo das boas intenções. nesse sentido, um indivíduo partícipe de uma forma de vida negativa sempre está exposto aos mais variados processos entrópicos de disciplinamento.


segundo cuauhcuícatl
“atributos impuros” e “melhor do que nada”


1.
“pessimismo”, “tristeza”, “niilismo”, “suicídio”, “pensamento trágico”, “lógica do pior”, “ética negativa”, “políticas não-afirmativas”, “políticas sem sonhos nem esperanças” são encaradas com preocupação. ligam-se tais expressões de formas de vida como fatores contraproducentes à ordem já instituída. tal processo, gerador de estigmas, torna-se mecanismo de cobranças por determinadas ações e atributos precisos – como por exemplo, exigir de alguém que politize o suicídio que se mate imediatamente, ou exigir de alguém que pense a política, a arte ou mesmo a ciência que tenha uma maior preocupação com questões econômicas. na impossibilidade de quitar tais cobranças, essas formas de vida estigmatizadas são forçadas a imaginarem-se como não portadoras dos atributos que lhe são próprios, são forçadas a se sentirem impuras. 

2.
as orientações de “asseio ético” (civilizar, educar, moralizar), segundo momento da “limpeza ética”, são encaradas pelas formas de vida estigmatizadas como uma crítica depreciadora a respeito de seu “desleixo” (no sentido original da palavra: deixar ser) e de sua tomada de posição diante das exigências que a existência nos impõe – viver ao mesmo tempo em que se desvive. o “asseio ético” é, para sua forma de vida correspondente (as de expressões afirmativas), da mesma ordem que a preferência da mesma pelo vinho, cujas uvas são pisadas, em detrimento do cauim, cuja mandioca ou milho é mascado e cuspido; ou pelo horror de se servir nas panelas sem obedecer a qualquer hierarquia. tal é um regime sanitarista cuja ética é movida pela metrópole, pelo capital, que só tem nexo em seus epicentros higienizados – lembremos-nos dos shopping center climatizados, dos espaços públicos concebidos para filtrar, rechaçar, interceptar aspirantes a usuário/a. a periferia e o fora da metrópole e do capital são considerados “lixos éticos” – resultado: somar à eliminação física das formas de vida negativas sua eliminação como portadores/as de um conhecimento ou de uma verdade – seja esta de teor fundamental ou não.

3.
“atributos impuros” são nomes dados a locais geográficos para localizar formas de vida estigmatizadas. assim como o “melhor do que nada” é nome dado a locais geográficos tidos como privilegiados. são demarcações, aldeamentos, condomínios – espacialização enquanto ideologia. por exemplo, as distinções entre urbano e mata, centro e periferia, morro e asfalto, hidroelétrica e território indígena, shopping center e feiras livres, etc. no entanto, também funcionam como nomes dados a processos desterritorializados: indústria cultural e ócio, comunicação à distância e diversidade linguística, arte e artesanato, religião e xamanismo, etc.

4.
nos locais geográficos tidos como privilegiados (os espaços nomeados como “melhor do que nada”) move-se a uma velocidade cuja mobilidade são os próprios efeitos de verdade. tais são meras categorias para usos estratégicos de ocupação colonial – não no âmbito teórico e sim enquanto prática de dominação mesma, como o colonialismo internos dos/as anticolonialistas. estratégias comprometidas com o encobrimento e intocabilidade de, ao menos uma verdade, para operar/administrar apenas sobre seus efeitos: a ética enquanto prática política, pedagógica, normativa e militar de relações de pessoa a pessoa, de cultura/forma de vida a cultura/forma de vida; a ética sem teses radicais mas que está pronta para o atuar no mundo; sem desmontagem; ao mesmo tempo naturalizada e modernizada; envernizada pelo “ruim com ela, pior sem ela”; servida de bandeja com a grandiloquência espetacular própria de um regime de nova-aristocracia; e aplaudida pelo fanatismo popular. 

5.
dupla depreciação: dominação ética de todas as formas de vida e o respeito meramente aparente de suas expressões. o que caracteriza uma guerra preventiva ou um regime tutelar (como o realizado por instituições como a funai) para com as tomadas de posição não-afirmativas. vive-se uma visão patética da existência, já que o acontecer humano se reduziria a um eterno projetar do mesmo travestido de novidade. um exemplo dessa dupla depreciação é o modo como são dirigidas as críticas ao “pessimismo”, à “tristeza”, ao “niilismo”, ao “suicídio”, ao “pensamento trágico”, à “lógica do pior”, à “ética negativa”, às “políticas não-afirmativas”, às “políticas sem sonhos nem esperanças”: realismo cínico conservador aliado de uma irreflexão ética acomodada.


terceiro cuauhcuícatl
o que significa irreflexão ética acomodada?


1.
de maneira geral, a irreflexão ética acomodada é um conjunto de posturas paliativas e tardias que funcionam como os cosméticos: procuram embelezar, conservar ou restabelecer algo em degenerescência. também funciona como uma disciplina dedicada a ocultar, em suas mais elevadas manifestações, o processo de desintegração da ética a partir da própria exacerbação desta: a obsessão com seus princípios polemizados que converte toda reflexão, que leva a ética até suas últimas consequências, a um intento frustrado de acomodação da mesma.

2.
de maneira restrita, a irreflexão ética acomodada é a presença material de um fragmento de realidade: um signo de troca que circula entre pessoa a pessoa, que serve como uma espécie de garantia de sua forma de vida. é uma criança recém-nascida tratada como um troféu; é um/a suicida frustrado/a confinado/a em instituições psiquiátricas; são normas que criminalizam a prática da eutanásia; são projetos indigenistas para “aumentar a população indígena”; são os/as “mártires” e os/as “santos/as” cuja função é a de “dignificar” a suspenção ética; é um ato moral mínimo considerado um ato de heroísmo; etc.

3.
mais do que teorias éticas e práticas políticas a valoração passa por um arranjo de apreensões e comunicações entre desejos por aquilo que se quer como objeto de crença. crer se torna um arrogante desejar no qual visa que seu “objeto” torne-se critério único de postulação da verdade e de transmissão de conhecimento. para tal arranjo é inadmissível conceber uma forma de vida que resiste distintamente, como uma alteridade [te-ixtlí em asteca], mas sim a concebe como algo que servirá apenas como suporte para projeção de si mesmo – por exemplo, a arbitrária distinção entre “selvagem/primitivo” e “civilizados/moderno”.

4.
um fazer perceber como naturais, algo já dado e não suscetível de ser questionado, um limitado conjunto invariável de temas e suas consequências. por exemplo: o sexo, suas consequências (sexualidades) e a reprodução da espécie; a subjetividade e seus produtos materiais (técnicas e expressões) e intersubjetivos (produtos imateriais como o conhecimento); a autoridade e seus instrumentos de regulação das relações sociais; a sociedade, em suas múltiplas existências sociais articuladas sobre uma única estrutura. o que mostra a ética não como um ordenamento/valoração autêntico das relações humanas, mas sim uma vontade de ordenamento/valoração que se afirma a si mesmo numa luta feroz contra outros tipos de ordenamento/valoração. 

5.
a irreflexão ética acomodada tem um único pretexto: por a ética marchando lado a lado com a política para longe de tudo aquilo que não pode ser divinizado.

quarto cuauhcuícatl
espaço liberado para a reflexão ética insurgente

































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quando falamos "eu penso que...", quem será que escondendo? a voz do pai? da mãe? dos/as professores/as? padres? policiais? da moral burguesa ou proletária? ou as idéias de alguém que já lemos? escutamos? ou...
 
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