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bem vindo e bem vinda. este é um labirinto herege: um desafio para medir a astúcia de quem me visita; um convite à exploração sem mapas e vista desarmada. aqui todas as direções se equivalem. as datas das postagens são irrelevantes. a novidade nada tem a ver com uma linha do tempo. sua estrutura é combinatória. pode começar de onde quiser. seja de uma imagem, de um texto, de um vídeo ou mesmo de uma música. há uma infinidade de escolhas, para iniciar a exploração, para explorar esse território e para finalizá-la. aproveite.

suicida imaterial: identidade entre não-ser e pensar



serias capaz de suicidar sua própria obra? serias capaz da autossatisfação? serias capaz de trocar o autoconhecimento pelo autoreconhecimento? serias capaz de identificar seu pensamento com a própria finitude de teu corpo? serias capaz de sofrer coletivamente o drama de uma única pessoa? 

1.
ah, parmênides! grande ilusionista! grande realista! “pois o mesmo é pensar e ser”. neste ilusionar e realizar se estabelece um contrato unilateral – situação humilhante. pois pensar não é uma forma de vida. muito menos uma forma de ser. nele contém uma impossibilidade: pensar o pensar enquanto ser sendo. como se pudéssemos viver a morte. como se pudéssemos ser vazio. pensar é sempre um ato suicida. é sempre um ato de realização daquilo que se é: não-ser. pensar é destituir-se do mundo. constrói-se algo exatamente pela impossibilidade de se ter algo construído. no entanto, como já disse, estamos impossibilitados/as ao vazio. este sedutor reconfortante. pensar é sempre uma aceitação do não-ser e uma identificação com tal. afirmação irreversível e patética por negar qualquer forma heroica de estar-aí.  pensar é um acidente, um ato inautêntico. incoerência insolúvel. somente possível enquanto conflito, confronto. pensar jamais é assumir a plena responsabilidade de ser. é um estar selvagem e bárbaro longe de qualquer função edificante do fantasear. pensar é uma ofensa perpétua e inextirpável; um vencedor invencível contra o ser, por isso odiado, pois é um não continuar imóvel e atingível. pensar é optar pela predação generalizada impura; oposição à edificação cotidiana; impossibilidade da verdade ou da justiça; inimigo radical de toda medicina, jurisprudência, psicologia e igreja – pensar não é um ato sanitário; é um crime; não é um estar-fora-de-si-mesmo; é uma blasfêmia e uma impiedade. pensar é uma reapropriação do não-ser constitutivo. por isso que pensar dói tanto – um luxo extremamente dolorido.

2.
há um único valor positivo no sofrimento: tornar os outros responsáveis. a dor dos outros é uma solução mágica para minha dor. o que torna a autossatisfação algo péssimo; uma impossibilidade por si mesma. cada rosto que se apresenta para mim é apenas o sem-rosto da monstruosidade do reconhecimento alheio. o sem-rosto me quer aí para que eu continuamente esteja insatisfeito. estranho mérito surge disto: sofrer. a este tecem os mais belos e pomposos elogios e reconhecimentos. do mesmo modo que se fazem com os mortos. pois se, enquanto vivo, ou enquanto permanentemente autosatisfeito incomodo cada rosto. não há mérito algum no autoelogio e no autoreconhecimento. deve-se sacrificar. deve-se sofrer. deve-se assinalar todos os aspectos da organização do ser. mérito ou demérito algum, já que o sem-rosto é a pantomima social de um controle que não se possui e que não se pode possuir. cada rosto quer ser reconhecido como um narciso ao contrário – sutil forma de autoagressão: optar pelo autoconhecimento e não pelo autoreconhecimento. sofre e ser, sim, são a mesma coisa. quanta gente é capaz de renovar a ilusão de pensar, clamando para que valorizemos seu esforço para tal? autossatisfação nada tem a ver com algo que recebo ou eu faça ao sem rosto.

3.
 a indeterminação do pensar gera necessariamente uma defesa do dever-preservar-se. preservar-se por otimismo ou preservar-se por pessimismo. duas reações contra o cru, portanto contra o pensar. este que nada tem a ver com reflexão. refletir é tentar estar seguro; é sistematicamente ocultar o cru fundamental – o inconstruível. necessidade pulsional do corpo em questão. pensar é a própria dissolução do problema do sentido das coisas. pensar é como chover. ninguém chove, no entanto, chove. ninguém pensa, no entanto, pensa. ah, quanto ilusionismo e quanto realismo (estes irmãos gêmeos) são capazes de assassinar um corpo sem que este seja um pensamento? 

3.1.
zizekianamente falando, faz-se capaz de viver a morte de si mesmo; faz-se capaz de viver a destruição do planeta; faz-se capaz de ver um mundo sem ninguém; no entanto, faz-se incapaz de viver num mundo sem civilização/barbárie/capitalismo. toda esta capacidade é vivida como dramas individuais – tudo o que é coletivo deve-ser vivido apenas individualmente. toda a incapacidade é viver coletivamente o drama de um único indivíduo. se assumo tal como minha mais própria capacidade, me torno aquele indígena que ao ser assassinado, todo o seu mundo desaparece com ele sem deixar rastros – língua, cultura, hábitos, pensar. um mundo comigo e tu sem civilização/barbárie/capitalismo é possível enquanto, eu e tu, somos pensares. lembremo-nos! nada há de identidade entre ser e pensar! sim, entre cru e pensar. onde a crueza, ou seja, o maior ato de crueldade é eu ou tu cometer um suicídio imaterial: não dar a menor importância para o reconhecimento do sem-rosto; dar a maior importância à autossatisfação – esta que fora declarada inimiga por tudo o que afirma uma verdade (religião); que afirma que tudo é falso, ou vazio (niilismo); que afirma ser agnóstico ou cético. pensar é estar nu e selvagem; abrigar-se livre em sua solidão; colocar-se fora da linguagem, cujas mensagens são indiferentes a qualquer que venha recebê-las. endolinguagem, como a do último indígena. um pensamento sendo ao mesmo tempo uma mensagem trocada e a negação de toda mensagem – como a linguagem acontece nos cantos dos caçadores guayaki cujas falas não são um colocar os outros em jogo. 

3.2.
a europeidade que temos a obrigação de digerir é, antes de tudo, um tornar-se completamente exterior. nela pensar é apenas meio de comunicação e informação; é servir-se de; é mero instrumento que se caminha com; é algo que sobrevive além de quem pensa; é ser. e nós, não-seres? que nos reconhecemos em nossos louvores a nós? pensar é suicidar-se constantemente até um suicídio final – ser suicidado também é válido. pensar é colocar-se fora da individualidade e recusa da troca que funda o reconhecimento como eu e o conhecimento do tu. vigorosa intensão contra a regra geral do indivisível de ser indivíduo. pensar é uma dedicatória apenas para quem pensa. no entanto, quem pensa não é uno (falar sozinho), nem duplo (diálogo); sim, um múltiplo não-ser que jamais se identifica com um vazio grávido de possibilidades. ao recusar o reconhecimento pelo sem-rosto, torna-se uma legião; torna-se multípluo – recusa de ser indivíduo (moderno/civilizado/capitalista) e atentado contra ser divíduo (múltiplas personas isoladas uma das outras).

4.
semejante a un aché (guayaki) / el excelente pájaro cazador / se volvió un aché.
el que me perforó el labio, / el de la flecha con pluma de cañón blanco.
[cancão de airagi (pessoa cuja alma tem algo de bárbaro)]

5.
ao pensar atingimos o cru. caso contrário, a banalidade e a sedução pelo vazio.

léo pimentel - 2011


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quando falamos "eu penso que...", quem será que escondendo? a voz do pai? da mãe? dos/as professores/as? padres? policiais? da moral burguesa ou proletária? ou as idéias de alguém que já lemos? escutamos? ou...
 
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